"A rima é essencial na trova, e consiste na conformidade de sons de duas ou mais palavras, a partir da última vogal tônica. Assim, Maria rima com tardia - vogal tônica i; temerária rima com primária – vogal tônica a. Na trova, em sua forma mais simples, é regra que as rimas do 2° e do 4° verso, pelo menos, sejam consoantes, aquelas que conservam a conformidade total de fonemas a partir da última vogal tônica: destino - sino; planta - encanta. Mas podem haver bons efeitos sonoros também quando o 1° e o 3° verso trazem apenas rimas toantes, aquelas que apresentam identidade de sons somente nas vogais tônicas: dilema - pena; pedra - terra; lavra - escrava. As rimas podem ser perfeitas: mão - pão; sereno - pequeno. Ou imperfeitas: traz - mais; luz -azuis. No 2° e no 4° verso, devem ser evitadas as imperfeitas, mas acreditamos que, no 1° e no 3°, estas podem trazer sonoridade à trova. Algumas imperfeitas, por serem quase perfeitas, são, no entanto, admissíveis: boca - louca; beijo - desejo. Como na trova seguinte:
Essa que afasta os abrolhos
de minha existência louca,
carrega a noite nos olhos
e a madrugada na boca.
Alceu Wamosy
No exemplo seguinte, todas as rimas são perfeitas:
Quem ama parece louco,
leva uma vida enganosa,
é como eu, que inda há pouco,
disse - Bom dia! a uma rosa.
Martins Fontes
São consideradas pobres as rimas de palavras da mesma classe gramatical e de verbos no mesmo tempo. Para nós, o que deve ser evitado é o emprego de rimas de advérbios em mente (finalmente - ternamente), de gerúndios (chovendo - sofrendo), de particípios (sofrido - colhido), e, o quanto possível, de verbos no infinitivo (amar – chorar; colher - sofrer, sorrir - partir, por – compor). Mesmo assim, pode haver uma boa trova com esses tipos de rimas, quando valorizada pela ideia, pelo achado. Vejamos as seguintes:
Para matar as saudades,
fui ver-te em ânsias, correndo...
- E eu, que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo!
Adelmar Tavares
A noiva passa levada
pelas asas do seu véu:
é como Estrela enfeitada
para uma festa no céu.
Abguar Bastos
E a seguinte, com todas as rimas em verbo:
Saudade é tudo o que fica
daquilo que não ficou;
lembrança, que mortifica,
daquilo que se acabou.
Joaryvar Macêdo
É bom evitar, quanto possível, rimas de palavras derivadas, consideradas pobres: encanto - desencanto; tempo - contratempo; caminho – descaminho; crença - descrença; caldo – rescaldo. Vêm sendo, comumente chamadas pobres as rimas fáceis, como as que se fazem em ar, or, ão. No entanto, podem ser obtidos bons resultados com esse tipo de rimas. Veja-se a trova seguinte, aliás, com rimas imperfeitas no 1° e no 3° verso:
Por esses campos azuis,
ó lua do meu sertão,
tu és um pente de luz
nas tranças da escuridão!
Félix Aires
E esta, de rimas perfeitas, também cheia de simbolismo:
Velhinha, de vida breve,
já misturando estação,
a paineira chora neve
num vendaval de verão!
Carmen Ottaiano
A trova seguinte, com rimas em or no 2° e no 4° verso, é uma das mais bonitas da nossa língua:
Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor.
Bastos Tigre
São consideradas ricas as rimas de classes gramaticais diferentes: medo (substantivo) - cedo (advérbio); chuva (substantivo) – desluva (verbo). Também as que se destacam pela originalidade: strip-tease - deslize; labirinto – retinto; cofre - sofre. São ainda consideradas ricas as rimas de palavras iguais mas com sentido diferente: muda (adjetivo) – muda (verbo). Rimas preciosas são rimas exóticas, obtidas com palavras combinadas: se abre - sabre; silêncio - pense-o; foice - foi-se; vê-la - estrela. Eis uma trova com rimas preciosas no 2° e no 4o verso:
A vida que vivo agora,
só me encoraja vivê-la,
porque a saudade, lá fora,
me vigia de uma estrela!
C. A. Beiral
Rimas raras são aquelas pouco encontradas para determinadas palavras: cisne - tisne; noite – açoite; olhos - abrolhos - escolhos. Essas rimas, porém, se tornaram muito desgastadas. Rimas completas (também chamadas ricas) são aquelas em que há concordância inclusive nas consoantes que precedem as vogais tônicas: lavra - palavra; candelabro - descalabro. Rimas auditivas, diz-se daquelas em que há conformidade de sons, mas não de grafia: messe – prece; lasso - laço. As rimas de palavras agudas (oxítonas) são também chamadas masculinas; as graves (paroxítonas), femininas. Alguns são de opinião que a trova deve sempre ter início com verso grave. Outros condenam a trova só de versos agudos, que consideram ""duros"". Achamos exagero nessas opiniões, mas, no geral, preferimos começar a trova com verso grave, sem que isto seja uma regra. Vejamos uma trova com rimas agudas no 1° e no 3° verso, com bons efeitos sonoros:
Não tenhas tanto temor
do veneno da serpente.
Causa muito mais pavor
a lingua do maldizente!
Alice de Paula Moraes
Devem ser evitadas as rimas homófonas, isto é, as que tenham a mesma vogal tônica e o mesmo som (ou só aberto, ou só fechado). Mas as rimas homófonas podem ser compensadas com um bom jogo de vogais no interior da trova, que, assim, não ficará prejudicada, como na quadra seguinte, com a vogal tônica i:
Quando ri, um passarinho
sai cantando de teu riso,
para mostrar-me o caminho
que conduz ao paraíso.
Murillo Araújo
Quando é a mesma vogal tônica, mas alternando sons abertos e fechados, não há homofonia:
Jamais se rende o penedo
ao delírio das marés.
O mar agride o rochedo,
mas sempre morre aos seus pés.
Vasco de Castro Lima
Rimas internas são as que se repetem também dentro do verso, em geral aleatoriamente, e contribuem para o efeito sonoro. Na trova seguinte, recamada é uma rima interna:
Minha vida é uma almofada
recamada de açucenas;
por fora - tão cobiçada,
por dentro - cheia de penas.
Lourdes Strozzi
Não se deve aceitar como rima um som aberto com o mesmo som, porém, fechado: vela - estrela; belo - selo; bode - pôde; céu - seu; menor - alvor; leve - teve; credo - medo; redor - amor; ainda que haja exemplos de bons poetas nesse sentido. Os melhores efeitos são conseguidos com pares de rimas contrastantes. A rima valoriza a trova, mas a ideia, o achado, a mensagem, vêm em primeiro lugar. Vejamos algumas trovas com boas ideias e rimas bem contrastantes:
Eu sei de uma negra cruz,
de tão negra não tem nome:
essa que o pobre conduz
pelo calvário da fome.
Sebastião Soares
Nunca o amor se satisfaz
e sempre se contradiz:
Faz e não sabe o que faz,
diz e desdiz o que diz...
Luiz Rabelo
Naquele instante do adeus
do nosso encontro fortuito,
teus olhos e os olhos meus,
discretos, disseram muito.
Heitor Stockler
A própria infância, também,
é do passado uma voz:
Saudade às vezes, de alguém,
que vive dentro de nós...
Helvécio Barros
Quem não calcula a descida
e faz da droga um suporte,
cai do trapézio da vida
na rede fria da morte.
Hildemar De Araújo Costa
Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para
refletir. SP: Ed. do Autor, 2009
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